Para mim, é penoso ver emails, quaisquer que sejam. Simples: ainda não tenho computador (nem uma secretária, ou cadeira e outros pormenores afins, mas isso é uma outra conversa). A (quase) alternativa é chegar muito cedo à rádio, embora essa técnica esteja a ser cada vez mais utilizada pelos jornalistas haitianos (vindos de um dos 400 campos de deslocados da capital), que optam por entrar duas horas antes do horário para, também eles, irem à caça da internet, i.e., das redes sociais.
Ou seja, quando finalmente encontro um computador livre, o que é que encontro? Uma caixa cheia de emails sobre o barco. Bem, também pode ser pior, como aquele email da administração da missão da ONU que era bem claro: É PROIBIDO DORMIR NOS ESCRITÓRIOS DA BASE. TÊM 48 HORAS PARA SAIR. (Quase que juro que estava a negrito). Razão oficial: “Agora, os funcionários da ONU já têm alternativa: o barco.” GRRRRRR, grunho eu.
Parecia uma declaração de guerra. Eu, no imediato, optei pela técnica da defesa: “eles escreveram a palavra office, não fazem referência às tents montadas às portas dos offices.” OK, OK, depois rendi-me.
Passo a explicar. Sugestão da minha irmã querida, comprei para levar para o Haiti uma daquelas tendas mágicas, que se montam sozinhas, mal retiradas do respectivo saco e atiradas ao ar. LINDO! Mas, e depois? Estalamos os dedos e ela dobra-se em oitos (8s) e encaixa perfeitinha na sacola? Nã!!
Quanto ao manual de instruções, garanto que se algum dia encontrar o autor/ilustrador terei uma conversinha com ele, daquelas à moda do célebre sofa, a mesma que servirá para a minha querida irmã.
Mas, de regresso ao desmontar: 60 minutos depois do início do acto da pseudo desmontagem, tinha cinco haitianos à volta da tenda (garanto que a tenda ganha vida, dá cacetadas, empurrões e outros amassos, quando mal manuseada), numa guerra para enfiá-la na sacola.
“Li pa bon”( não está bem), dizia um.
“ nap recomencé” (vamos recomeçar), pela enésima vez, acrescento eu.
“ah, mon chere!!” (expressão aparentemente inofensiva mas que em crioulo é qualquer coisa como: ‘ah, meu tanso, não é assim, só estás a fazer cagada) nota: não fui eu que disse, foram eles.
Enfim, no final, os cinco homens conseguiram (quase) dominar a bicha e dobrá-la em forma estranha, e três vezes maior do que o tamanho do saquinho.
Tive, portanto, que mudar de casa. Barco? Nã, não sou assim tão fácil. Regressei finalmente à minha casa, a tal que nunca caiu. Faz hoje uma semana que recomecei a dormir debaixo de cimento, de betão e tantas outras coisas que podem desmoronar e eventualmente causar algum tipo de desconforto. A readaptação ao cimento tem sido gradual. Primeiro dormir de luz acesa. Depois, perceber que se houver um terramoto, a electricidade (ou gerador) são das primeiras coisas a falhar. Apague-se a luz. Porta aberta, aconselhou o meu chefe. Não se aplica ao meu caso. À saída da porta tenho uma escada à direita e uma varanda à esquerda, normalmente as primeiras duas coisas que caem em primeiro lugar. Ainda não tive tempo para decidir qual o canto à casa/estúdio que será eleito em caso de tremideira. Para analisar daqui a umas duas semanas. Agora, vim no instante a Macau e já volto. Depois, logo penso de novo em cimento, betão e, pior... no barco. GRRRRR.