terça-feira, 2 de março de 2010

Haiti Cherie

O Pisca-Pisca esta escondido na Log (Base logistica). Ou talvez seja melhor dizer que esta preso. E um misto. Escondido porque os carros privados nao podem entrar nem permanecer neste complexo (onde, para alem de trabalhar, ainda vivo). Preso porque se saio com ele, nao posso voltar a entrar. So com os meus pezinhos (35/36), o Pisca fica out. Bem, nem sempre. Tive a ideia radical de sair com ele uma destas noites e de decidir ficar a dormir numa verdadeira casa... de CIMENTO! (muito mais radical)
No regresso a base, pela manha, ja atrasada, Pisca foi barrado na entrada. Joguei todas as cartas: a vitima e sobrevivente, a falta de estacionamento num raio de 5 kms, o facto de ser imprescindivel para o funcionamento da radio (ok, exagerei um pouco)...
Nada. Ultima tentativa: desatar a chorar! Resultou, o Pisca entrou ('e a primeira e ultima vez ouviu Madame?'). Nao, nao vai ser. Ja tenho amigos no turno da noite da cancela da Log, a entrada nocturna esta garantida a quatro rodas.


A ultima da Missao e a chegada do cruzeiro. Ha mais de um mes que se falava. No inicio, pensei que fosse piada. De mau gosto, alias. Mas nao. Um verdadeiro cruzeiro esta fundeado ao largo da capital. Veio albergar os que trabalham na Missao da ONU. Com piscinas, ginasio, restaurantes e tudo o que vem no habitual pacote. Felizmente, nao e obrigatorio. Mais nao posso comentar. Ossos do oficio.

A vida na Log em quase ou nada mexeu (pelo contrario, ja tremeu, umas 4 vezes a 4 ponto qualquer coisa so na ultima semana) desde a minha saida no inicio de Fevereiro. Mas, nas ruas, a vida avanca. Malas de viagem, lagartos feitos de lata, banana frita acompanha de uma especie de rojao (numa competicao para encontrar o mais frito e oleoso), cartoes pre-pagos de telemoveis, riz national (com feijao), tulipas brancas, macos de tabaco 'Comme il faut' (na verdade, il faut nao os fumar, so mesmo em caso de ultimo recurso, considerada tambem ideia muuuiiito radical), pinturas que resistem a sol e chuva, rum Barbancourt (marca nacional, tomada com muita coca-cola e algum desespero - radical). Tudo isto esta a venda nas ruas. Isto e mais alguma coisa. Porque os haitianos nao querem perder tempo. Nem podem.


Alguns dos campos de desalojados ja estao com cara nova: alinhados com tendas uniformes, acabadinhas de chegar das linhas de producao de algum pais doador. Para ja resistiram as chuvas, mas para ja foi so um primeiro e timido aviso (pelo contrario, a sul do pais, o mau tempo matou ontem mais de vinte pessoas). A epoca dos furacoes e mais tarde, comeca la para os finais de Maio. Pena as tendas serem todas brancas ou beges. O haiti e um pais de cor, muitas cores.


Nos campos de desalojados ha um misto de cheiros, a maioria demasiado agressivos, mas tambem musica, oracoes, jogos de cartas, bailes improvisados de fazer colar os corpos, aulas para os mais pequenos, ecrans gigantes com projeccao de filmes, jogos de futebol e campanhas humanitarias.

Apesar das replicas, das chuvas, de 3milhoes de pessoas ainda nao terem coragem de dormir sob cimento (eu fi-lo no tal dia que sai radicalmente com o Pisca e, logo nessa madrugada, a terra voltou a tremer. Apesar de estar a dormir num colchao estrategicamente colocado junto a porta de saida, de nada valia. Nao acordei), de ainda se chorar (e sonhar) os mais de 25o mil mortos, a Vida continua. Na sexta fui festeja-La, a convite de um dos animadores da radio. Eu e o gangue lusofono (Mariana, Ana, Mariana) e o Pisca (o prisioneiro da Log). Fomos recebidos no jardim da casa do Anderson, onde la estava a tenda (elemento omnipresente), varias familias (primos, tios, a vizinha e seus tios e primos, a sra das limpezas e respectivos familiares) e, como sempre, musica a acompanhar. Foi noite de Kompas, o genero nacional. Um misto de Africa e Caraibas, com um toque final muito haitiano. So dancado com cola nos corpos. Uma especie de dois em um.


4 comentários:

  1. Seja bem vinda ao Haiti! Fico feliz de ter mais notícias tuas! As tuas palavras também já soam a normalidade apesar de viveres num ambiente um difícil. Forcinhas amiga!

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  2. Olá Mariana
    Ontem vi-te e ouvi-te na SIC.
    És uma mulher de armas, como já me tinha apercebido. Continuo a seguir-te. Acho que fazes bem em dar umas escapadinhas, mas tem cuidado.
    Beijinhos
    Maria

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  3. Olá Linda,

    As tuas palavras já deixavam alguma saudáde. Habituaste-nos e é sempre uma forma de sabermos como estás e como vão andando as coisas por aí. Fica bem. Beijos

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  4. Olá Mariana, sigo o teu blogue e vi-te na televisão. Como mãe de 3 não consigo deixar de ter o coração apertado. O meu filho mais velho queria mandar uns peluches que temos. Algumas sugestões????

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